Os períodos sensíveis do desenvolvimento cerebral
É certo que podemos aprender coisas novas ao longo da vida.
Afinal de contas, se não pudéssemos, simplesmente não teríamos
chegado até aqui. No entanto, como esse aprendizado ocorre? E se, ao
contrário do que muitas vezes se imagina, disséssemos que uma de suas
etapas mais importantes ocorre na infância e não na fase adulta? Só
conhecendo os períodos sensíveis para entender isso melhor.
O que são períodos sensíveis?
O cérebro humano é algo realmente maleável. Assim como hoje sabemos
que a genética não é apenas um código fixo, o cérebro também não
representa apenas uma circuitaria imutável. Constantemente, as
experiências que vivemos moldam, estrutural e funcionalmente, nossos
neurônios, e os circuitos neurais se adaptam às necessidades exigidas
pelo meio. Essa capacidade é chamada plasticidade neuronal. que se observou até hoje é que essa plasticidade é muito maior
durante a infância. E, mesmo dentro dessa fase, existem períodos
limitados de tempo em que determinadas vias neuronais são
excepcionalmente maleáveis. Consequentemente, nesses períodos, a pessoa é
muito mais sensível às influências do ambiente, o que acaba por
interferir intensamente em seu desenvolvimento cerebral. Esses períodos
são chamados de períodos sensíveis.
Tais períodos não ocorrem simultaneamente para todas as partes do
cérebro. Além disso, têm durações variáveis para cada conjunto de
neurônios e cada função neurológica. Em resumo, isso quer dizer que
existem períodos específicos da vida de uma pessoa em que ela tem maior
possibilidade de desenvolver uma ou outra habilidade, e mesmo um ou
outro comportamento ou traço de personalidade.
O que acontece nesses períodos?
O cérebro nasce com redes neuronais “provisórias”. Uma vez no mundo, o
indivíduo terá que possuir habilidades básicas para sua sobrevivência
e, ao mesmo tempo, conseguir se adaptar a diversas influências
imprevisíveis do meio (respostas adaptativas que, portanto, não podem
estar já codificadas em seus genes). Na vida intra-útero, o cérebro
fetal se assemelha mais a uma espécie de rascunho: ele possui todos os
circuitos que executam as funções básicas de um cérebro, mas esses
circuitos podem ser apagados e reescritos.
Por conta de várias influências moleculares, o cérebro infantil tem
neurônios e sinapses extras, muitas das quais não estarão presentes na
vida adulta. Esses neurônios já possuem a capacidade de produzir novos
axônios, dendritos e sinapses conforme a necessidade (capacidade que
está especialmente aumentada durante os períodos sensíveis). Isso basta para que tenhamos um cérebro preparado para praticamente tudo.
Conforme a criança passa por algumas experiências, certas vias
neuronais vão sendo ativadas, dependendo de qual estímulo ela recebe do
meio. Ao longo desse processo, as sinapses mais usadas são fortalecidas,
inclusive por proteínas de adesão que ancoram os neurônios pré e
pós-sinápticos uns aos outros. Novos axônios, dendritos e sinapses vão
sendo formados e, se as novas vias forem usadas (ou seja, se forem
úteis), elas passam pelo mesmo processo de fortalecimento. Ao mesmo
tempo, as vias que não estão sendo usadas são suprimidas e até
eliminadas, de forma a impedir interferências desnecessárias no
funcionamento do conjunto de neurônios como um todo.
O resultado é um refinamento gradual do cérebro: uma função de cada vez, conforme os períodos sensíveis
e a infância vão passando, e forma-se um adulto hábil e adaptado ao
meio em que vive. Isso também quer dizer que o resultado não vai ser
sempre bom, já que a sensibilidade não é seletiva e a criança está
suscetível a mudar tanto por estímulos positivos quanto negativos.
Mas… e no adulto?
Infelizmente, não é possível trazer períodos sensíveis com todo o seu
vigor para a fase adulta. Mas, é claro que adultos também precisam
aprender sempre. Para isso, a plasticidade neuronal continua e dura o
resto da vida. Só que em um ritmo menor. Algumas áreas do cérebro mantém
plasticidade semelhante à da infância, como o hipocampo (responsável
pelo aprendizado, memória e controle emocional).
De qualquer forma, a capacidade de se desenvolver, aprender e mudar
continuam. Elas podem, inclusive, ser potencializadas em grande escala
por algumas medidas. O simples fato de se prestar atenção em uma
atividade ou informação já aumenta muito a plasticidade das vias
neuronais que estão sendo usadas para aquela determinada tarefa. Outro
exemplo é o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), substância conhecida por estimular a plasticidade neuronal, e produzida em maior escala em resposta aos exercícios físicos.
E qual é a importância de tudo isso?
Os períodos sensíveis
ainda não são plenamente compreendidos por conta de sua complexidade.
Ainda não existem medidas psicológicas claras que interfiram nos
momentos exatos da maturação cerebral para usá-los a nosso favor. Contudo, eles nos mostram que a infância é um período essencialmente
relacionado ao aprendizado. Tanto que crianças têm maior facilidade em
aprender novas línguas, a tocar instrumentos e mesmo em desenvolver
comportamentos e visões de mundo mais éticas e saudáveis.Consequentemente, tais períodos de maior sensibilidade influenciam
muito no tipo de adulto que uma criança se tornará e evidenciam como o
meio afeta essa faixa etária, abrindo portas para entendermos as
consequências de traumas, más influências, negligência e mesmo doenças
orgânicas na infância. Da mesma forma, também apontam caminhos para
futuras intervenções, através de novos tratamentos e prevenção
otimizada.
Imagens: Imagem 1, Imagem 2, Imagem 3
Carlos Henrique Ribeiro
Estudante
de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, integrante do grupo
PET-Medicina UFU e ex-Coordenador Discente da Liga Acadêmica de Saúde
Mental (LISAM) - UFU.
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